Do pior que se pode imaginar
Em
momentos de maior deslumbramento, o presidente do FC Porto já produziu
alguns recitais que foram vistos em todo o país graças à invenção da
televisão. Tratando-se de um amador, sem outras credenciais que não
sejam a da sua celebridade como dirigente desportivo, deve poder
dizer-se que como declamador de poesia o presidente do FC Porto é, para
quem nunca tenha assistido, do pior que se possa imaginar.
Mas
não é justo criticar alguém por não exibir qualidades que não são
tecnicamente as suas. No entanto, já é digno de nota o descaramento com
que se abalança a essas exibições confrangedoras e muito aplaudidas no
seu tal círculo restrito de admiradores.
Não
sendo também um literato nem um historiador, no último fim-de-semana o
presidente do FC Porto abalançou-se, com o mesmo descaramento que o
leva a recitar como um inapto em público, a proferir uma palestra
histórica sobre a conquista de Lisboa pelo nosso primeiro rei, primando
pelas calinadas que, até ao momento, ficaram por corrigir.
Procurando
uma analogia tão lamentável quanto serôdia entre a conquista de Lisboa
e a rivalidade futebolística entre o seu clube e o Benfica, disse o
presidente do FC Porto a uma plateia como sempre rendida, enfim, sem
massa crítica: «Em 1134, o bispo do Porto, D. Pedro Picoas, exortou os
cristãos a juntarem-se para ir a Lisboa para conquistar os mouros e
expulsá-los de Portugal. Para além de um Santo, D. Pedro Picoas foi
também um grande sábio.»
Ore
o presidente do FC Porto não só não é um sábio como também é um
pequeno ignorante atrevido, campo em que não está sozinho e até estará
muitíssimo bem acompanhado por gentes com outras e maiores
responsabilidades intelectuais, se é que isso serve a alguém de consolo.
A
conquista de Lisboa não foi em 1134 mas em 1147, exactamente treze
anos mais tarde do que a data catedraticamente apontada pelo presidente
do FC Porto.
Mas
este é um erro que se justifica vindo do presidente do FC Porto. Nem é
bem um erro, é mais um vício, um tique compulsivo. É que também a data
de fundação do FC Porto sofreu um desvio de 13 anos e, por bula papal,
recuou de 1906 para 1893 sem que houvesse sequer discussão.
Quanto ao
nome do bispo do Porto, a verdade é que não se chamava Pedro Picoas,
como o presidente do FC Porto afirmou, mas sim Pedro Pitões, sendo que
Picoas é um nome de uma estação do metropolitano (subterrâneo) de
Lisboa – Linha Amarela – e sendo que Pitões até seria um nome bastante
fácil de memorizar pelo presidente do FC Porto, um clube de futebol,
visto que pitões são aqueles grampos de plástico ou em alumínio que se
enroscam nas solas das botas dos jogadores para lhes dar maior
estabilidade e tracção.
Mais
importante do que este singelos reparos factuais, que mais não visam
do que impedir de chafurdar alegremente na ignorância, nas trevas,
aquela fatia significante de povo que, presumivelmente, só lê jornais
desportivos e despreza os nossos romancistas e trovadores, trata-se aqui
de dar razão a Vítor Baía que ainda há bem pouco tempo lamentou
publicamente que o FC Porto tivesse uma «cultura muito para dentro,
muito fechada».
Baía
não estava, obviamente, a referir-se a questões de cultura geral, como
se costuma dizer, nem às eventuais calinadas presidenciais quando
envereda pelo discurso erudito. Nada disso. Baía, que é um
rapaz de bom senso, estaria simplesmente a lamentar o anacronismo de um
espírito medieval que reclama limpezas étnicas e expulsões do país em
nome de uma bola de futebol e de umas quantas chuteiras.
Com pitões, naturalmente.
O
FC Porto – Benfica da época de 1953/54 teve a precedê-lo um ambiente
bem menos medieval. No seu último número de Dezembro de 1953, O Porto,
jornal oficial do clube nortenho, exortava os seus adeptos a receber
condignamente os rivais que haveriam de chegar de Lisboa:
«Portistas,
vem aí o Benfica. É claro que vamos receber como ele merece: à moda do
Porto. Os encarnados do Sul vêm de longada até à Cidade Invicta encher
de alegria os olhos dos desportistas tripeiros. Que vença, Deus o
permita, o nosso glorioso clube. É legítimo. Que os bravos benfiquistas
nos perdoem a tripeira fraqueza… Nada de hipocrisias porque os dois
baluartes do futebol nacional já habituaram de tal maneira os seus
adeptos à exibição plena das mais nobres virtudes da ética desportiva.»
E
FC Porto venceu o Benfica por 5-3 sem ter havido registo de qualquer
incidente, tal como o jornal O Benfica, órgão oficial do clube,
relataria na sua edição de 14 de Janeiro de 1954:
«Ganhou
o Porto! Foi naquela tarde o melhor. Mas também soube pôr na vitória o
timbre de firmeza e educação que só os atletas de elite possuem.
Perdeu o Benfica! Mas nem por isso saiu diminuído da contenda. Deixou
no belo Estádio o perfume da sua categoria de grande equipa, grande na
maneira de jogar, enorme na forma como soube aceitar a derrota.»
É impressionante o que o país tem evoluído nestas últimas longas décadas…
O
chileno Valdés marcou os dois golos com que o Sporting venceu a equipa
principal da União de Leiria no último domingo. Lendo os jornais de
terça-feira vislumbra-se um ameaço de crise em Alvalade… A quem se deve
e explosão de Valdés?
Para
este jornal A BOLA, o autor do milagre foi Paulo Sérgio, o treinador,
que disse ao chileno antes de entrar em campo: «Concentra-te nas coisas
simples!» e ele concentrou-se mesmo.
Já
para o Correio da Manhã, o mágico de serviço foi Costinha, o director,
que disse ao chileno antes de entrar em campo: «Acredito muito no teu
potencial» e ele acreditou mesmo.
Isto a continuar assim não haja dúvida que promete.
Vencendo
o Lyon, o Benfica garantiu praticamente a qualificação para a Liga
Europa. Quanto à qualificação para a fase seguinte da Liga dos Campeões
ainda está longe de estar garantida. Faltam dois jogos e duas
vitórias, ou seja, falta muito.
Leonor Pinhão,4 de Novembro in Jornal A Bola