O Capítulo do Dinheirinho
Tal como os sportinguistas viveram um
grande dilema na semana passada — a hipótese de uma vitória sobre o FC
Porto afastava, teoricamente, da discussão pelo título um rival do
Benfica —, também os benfiquistas vão viver por este mês de Março um
dilema, ainda que bastante mais pequeno.
Sabendo-se que o campeonato é a
prova que Jorge Jesus quer mesmo e muito ganhar, e está no seu direito,
trata-se de saber qual é a mais importante das outras duas competições
em que o Benfica está ainda envolvido. A Liga Europa ou a Taça da Liga?
Na Liga Europa, o Benfica tem por adversário na próxima eliminatória o
Olympique de Marselha, contra quem joga a 11 e a 18 de Março, quanto à
Taça da Liga, o Benfica jogará a final desta competição interna a 21 de
Março, no Algarve, apenas três dias depois do encontro da segunda-mão,
em França.
É exigir demais ao Benfica e a Jorge
Jesus uma abordagem altamente qualificada para estes dois compromissos
de diferentes dimensões. Eis o dilema. Os dilemas, enfim, nem são coisas
más.
Os responsáveis da Liga que
elaboraram o calendário da prova também tiveram certamente um dilema.
Tendo à vista, como não podiam deixar de ter, o calendário das
competições da UEFA, tiveram de escolher entre marcar a final da Taça da
Liga em cima de uma eliminatória da Liga Europa, prejudicando o Benfica
ou o Sporting, se tivesse eliminado o Benfica na meia-final da Taça da
Liga, ou marcar a final da Taça da Liga em cima de uma eliminatória da
Liga dos Campeões, prejudicando o FC Porto.
Optaram por beneficiar o FC
Porto por motivos puramente patrióticos. É que a Liga dos Campeões rende
mais do que a Liga Europa e o importante é fazer entrar divisas no país
para dinamizar a economia nacional. O capítulo do dinheirinho é muito
importante.
Também os adeptos portistas,
segundo consta, vivem actualmente num dilema. Depois de Alvalade,
resolveram todos, por unanimidade, desistir da luta pelo título, o que
não deixa de ser estranho. E dividem-se agora entre os que preferem ver o
Sporting de Braga campeão e o Benfica em segundo lugar, significando
isso que o FC Porto perderia o acesso à próxima Liga dos Campeões, do
que se dar ao amargo incómodo de apanhar o Braga e roubar-lhe o segundo
lugar, significando isso que o campeão seria o Benfica.
São momentos dramáticos na vida
dos adeptos e todos, em circunstâncias diferentes, já passámos por
menoridades destas.
No entanto, não são os adeptos
do FC Porto que gerem o emblema. São os administradores e executivos da
SAD. E, neste capítulo, o dinheirinho é o mais importante, pelo que o
dilema portista, actualmente, apresenta contornos bem definidos. Do lado
dos que querem ver o Braga campeão, não se importando com a ausência na
Liga dos Campeões de 2010/2011 estão, exclusivamente, os adeptos do FC
Porto. Do lado dos que querem ver o Benfica campeão e que desejam muito
ver o Braga perder pontos, de modo a assegurar a entrada na milionária
competição de clubes, está a SAD do FC Porto.
Que não brinca em serviço,
naturalmente.
Depois de seis anos e meio no
Egipto e de uma mais rápida comissão de serviço em Angola, Manuel José
regressou a Portugal carregado de títulos e honrarias e prepara-se,
segundo ele, para viver os últimos anos da sua carreira abraçando um
projecto ainda sem nome mas que lhe permita «continuar a vencer». Na
noite de segunda-feira, Manuel José foi o convidado do programa O Dia
Seguinte, na SIC Notícias, e foi aquilo que se pode chamar um excelente
entrevistado, falando sempre abertamente, sem medo de penalizações,
sobre os altos e baixos da sua carreira, sobre as particularidades
imortais e o momento presente do futebol português e sobre o seu futuro
incerto como treinador.
Falou também sobre os seus
colegas de profissão, traçando a divisória entre os que vêm das
universidades e os que, como ele, vêm «do terreno» e elogiou dois
companheiros «do terreno», Paulo Bento, por ter feito «um trabalho
fantástico sem meios no Sporting», e Jorge Jesus, por um conjunto mais
amplo de méritos que lhe atribuiu.
Um desses méritos foi o de ter
transformado Angel Di María, que no ano passado «mais parecia um
maluquinho a jogar à bola», num grande jogador de futebol com mercado
entre os poderosos emblemas da Europa.
Di María, por obra da sua
exibição em Matosinhos na última jornada do campeonato, foi,
naturalmente, a figura do fim-de-semana futebolístico e, de certo modo, o
exemplo prático de como o Benfica começa a saber ultrapassar os
escolhos dos adversários ultra-motivados e das más arbitragens,
respondendo da única maneira desejável e possível às mais flagrantes
injustiças. Ou seja, marcando golos e ganhando jogos e deixando-se de
lamechices.
Este espírito competitivo e
anti-lamecha demora tempo a construir e com este espírito instalado é de
crer que o Benfica teria sabido, na primeira volta do campeonato, não
soçobrar mentalmente ao golo limpo e invalidado de Luisão, com que
atingiria o empate no jogo com o Sporting de Braga, teria sabido esperar
um bocadinho no relvado, ainda em Braga, antes de regressar à cabina ao
intervalo, evitando a expulsão de Cardozo e teria sabido, em Olhão, não
se espantar com o vendaval dos rivais.
Em Matosinhos, o golo
incrivelmente anulado a Di María teve o condão de não abrir o marcador,
como seria legítimo, mas teve também o condão de lançar o jovem
argentino e a equipa para um repor da verdade desportiva que só pecou
por exagero. E, este ano, sempre que o Benfica se deixa de lamentações e
resolver embalar, não há árbitros, nem fiscais-de-linhas, nem
adversários que o parem.
De tal modo que, terminado o
jogo, nem Jorge Jesus, nem os jogadores perderam tempo a falar do
árbitro que, por acaso, era esse grande benfiquista chamado Lucílio
Baptista. E falar para quê? O Benfica ganhou bem e limpo, soube resistir
à imediatamente anterior pressão causada pela vitória do Braga sobre o
Olhanense, soube resistir à tempestade e a um erro fulcral da
arbitragem…
Compreenda-se o silêncio
benfiquista. No entanto, Lucílio Baptista, cujo erro não prejudicou a
vitória do Benfica sobre o Leixões, acabou por prejudicar seriamente o
Benfica noutro capítulo menos importante: o capítulo do dinheirinho.
Muito zangado com o árbitro e
com o fiscal-de-linha deve estar o empresário de Di María. É que, em
termos de projecção internacional, há toda uma diferença de mercado
entre marcar três golos num jogo ou marcar quatro golos num jogo, como
realmente sucedeu.
Com arbitragens destas nunca
mais atingimos a cláusula dos 40 milhões!
Por Leonor Pinhão, Edição 4 de
Março 2010 - Jornal "
A Bola"